quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Resoluções

Duas historinhas:

Todomundo que me conhece pessoalmente sabe que tenho uma coleção incômoda e imensa de tiques nervosos...
Pois quando eu tinha 6 anos minha mãe me arrastou pra uma procissão da Nossa Senhora de Seilá o Que. No meio do trajeto ela, cheia de boas intenções, sugeriu que eu rezasse pra santa pra acabar com aqueles tiques, que me faziam ser vítima constante de chacotas e comentários na escola e em todo lugar.
Eu pensei na possibilidade e respondi "Não precisa, mamãe. Eu gosto deles." Porque concluí que, fizessem meus tiques o mal que fosse, eles eram meus. Faziam parte de mim. Eles eram eu e eu não queria perder nada que me ajudasse a compor aquilo que entendia como sendo minhas características e minha identidade. Porque eu amava tudo em mim. Até os "defeitos".

Agora, velho, cheio de erros, de mil neuras, tretas, doenças psicológicas, vícios do corpo da cabeça e da moral, de repente eu percebo tudo o que vem provocando os males. Tudo o que tem sido feito de errado.
E daí me sinto num impasse. Conhecer o problema é a chave pra resolvê-lo. Mas será que eu quero mesmo? Será que vale a pena? Meus erros são minha história, são tudo o que eu sou, cada uma dessas cicatrizes. E gosto delas.

Então resolvi que quero continuar do jeito errado. Que quero arcar com as consequências. Que a vida é curta demais pra fazer as coisas do jeito certo.

sábado, 6 de outubro de 2012

Quando tolerar fica intolerável

Quando eu era moleque e resolvi entrar pra Igreja Presbiteriana eu tava só experimentando a vida mas aprendi uma coisa que me acompanhou desde então: ser mais tolerante e complacente com as pessoas porque cada um tem seu tempo e seu momento de crescer.
Mais tarde, quando resolvi que iria virar psicólogo (e depois deixei pra lá pra virar publicitário) eu entendi que ninguém realmente tem culpa pelas próprias limitações e que tudo é resultado de uma infinidade de fatores aleatórios que confluem de forma caótica e resultam no que somos.

E tendo entendido essas coisas comecei a ser complacente e tolerante com tudo. Com qualquer coisa. Com todomundo. E não notei que, fazendo isso, eu estava sendo intolerante comigo mesmo e com minhas próprias falhas e meus limites.

Durante anos fui aceitando todo tipo de agressão (moral, psicológica, física, etc.) porque acreditava que quem me agredia, agredia sem notar. Agredia por ser imaturo. Agredia por ignorância.
E achar que eu era tão maduro e superior a ponto de entender e perdoar a limitação do outro me fazia sentir bem. Fazia eu me sentir seguro.
Mas as agressões vão aumentando e aumentando gradativamente conforme você não revida. E não culpar o outro, não cobrar dele sua parcela de responsabilidade só faz com que o outro sinta que está certo, que tem razão e que não precisa corrigir nada em si.

Ele se estagna. E nada no universo tem o direito de se estagnar.

Então resolvi que também não iria mais me estagnar nessa fachada de superioridade morna e inabalável. Eu percebi que, não é porque ninguém tenha culpa, que não possa - ou não deva - ser responsabilizado.
E percebi que entender a razão dos outros não me tira o direito de revidar.

quinta-feira, 22 de março de 2012

A morte da fantasia







Essa semana me mostraram a tirinha acima. Não é oficial, foi feita por um fã. Ou um anti-fã, porque tão logo a li, me senti extremamente irritado, ultrajado e agredido.

Pode parecer bobagem, mas tenho visto muito desse tipo de coisa e tenho me chateado.
De repente parece que nos tornamos tão cínicos, tão incrédulos que recusamos toda e qualquer forma de fantasia. Temos nos apegado tanto ao que faz sentido, ao que tem coerência, ao palpável que estamos nos tornando amargos, sem graça, desprovidos da capacidade de aceitar o sonho. Aquilo que é implausível, aquilo que é do reino da imaginação está sendo relegado ao campo do pueril, perdendo importância, perdendo viço.

É fácil perceber isso de forma mais clara no entretenimento. Um super-herói que usa máscara de morcego precisou ser explicado, esmiuçado, tornado muito mais sinistro e soturno do que já era pra que a gente acreditasse que ele fosse possível.
Os contos de fadas ganham milhões de versões que, se não parodiam, buscam desmistificar totalmente as histórias, trazendo-as pras limitações e defeitos da realidade.

Pra que?

A realidade já não é real o suficiente? A vida já não é dura, complexa e sacal o bastante? É preciso esvaziar também a fantasia? Extirpar dela toda a linda e poética falta de sentido? Tirar exatamente o elemento que a tornava atrativa, aquilo que justamente nos ajudava a ficar um pouco distantes da realidade?

Acho isso um desfavor. Quase um crime. Matar dessa forma toda a inocência, toda a beleza, toda a capacidade de usufruir do cérebro pra desanuviar do peso do mundo, das responsabilidades, das brigas, das contas, da rotina e uns dos outros.
Tenho muito medo do dia em que tornaremos tão blasés, incrédulos e secos que nada mais seja capaz de nos encantar. Tenho medo de que essa crueza, essa desconfiança, esse frio nos arrefeça até que não seja possível, por qualquer via, buscar paz de espírito.  Até que não haja mais leveza alguma. Escapismo nenhum ao qual recorrer.

Parem com essa obsessão, com esse fetiche pelo real. Fantasiem um pouco, viagem na maionese. Sejam mais leves, permitam-se ser felizes.
Ou morram todos e livrem o mundo dessas suas presencinhas vazias, blasés e escrotas.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Mudanças

Eu lembro que quando tinha uns 10 ou 11 anos, os pêlos do meu corpo começaram a crescer anunciando que a infância tinha ido embora e a adolescência vinha tomar o lugar dela. Fiquei estarrecido. Aquilo significava o fim (não imediato, tudo bem, mas ainda assim, o fim) de uma porção de coisas que eu gostava e pelas quais tinha apego. Era meu corpo apontando a eminência de responsabilidades com as quais eu não queria arcar. O término de uma época que tinha me trazido grandes felicidades. A interrupção de regalias, de benefícios, de um estilo de vida do qual eu definitivamente não tinha disposição pra abrir mão. É uma besteira, eu sei. Mas me vi profundamente entristecido, chateado e até desesperado com aquilo tudo. Então, numa tentativa boba de reverter a ação do tempo e dos hormônios, de enganar qualquer que fosse a entidade, a fada que leva embora os melhores anos da vida das pessoas que crescem, resolvi raspar todos os pêlos que já não estivessem ali há dois anos atrás.

E raspei. E eles cresceram de novo. E a adolescência veio e mudou minha voz, deformou completamente meu corpo, me deu uma infinidade de espinhas odiosas e me encheu de uma feiúra que nunca tinha sido minha. Apesar disso, foram ótimos anos.

Mas eu ainda não tinha aprendido a lição e três anos atrás passei por coisa parecida de novo.
Meu pai, meus tios e um dos meus irmãos mais velhos são carecas e durante a adolescência um dos dois medos que me habitavam o cérebro constantemente era o de ser careca também. O segundo medo era ter que prestar o serviço militar obrigatório, mas por esse consegui passar sem quiproquós.

Assim, tão logo minha mãe deixou de ter qualquer poder de decisão sobre mim, deixei meu cabelo crescer e cultivei o visual rebelde que tinha sido minha utopia desde a infância. Me agradava cuidar das madeixas, dormir com os cabelos sob o rosto e ter liberdade de mudar o visual a qualquer hora, bastando amarrar dessa ou daquela forma, acrescentar uns acessórios, etc. Eu finalmente tinha o visual que sempre quisera ter e isso era uma brincadeira agradabilíssima.
Mas então, como não poderia deixar de ser, a ação do tempo, da genética e dos hormônios veio mais uma vez bulir com quem estava quieto e meus cabelos começaram a cair. Aos tufos.
O auge foi numa noite, durante o banho, em que depois de passar o creme condicionador e esfregar a cabeça, minha mão voltou com mechas inteiras dos meus cabelos entre os dedos. Lembro de ter me desesperado, de ter caído de joelhos e chorado que nem um bebezote. (É claro que aquele desespero todo não veio só por causa da eminência da calvície, havia naquela época toda uma série de coisas desagradáveis acontecendo e o cabelo foi só a gota d'água que fez transbordar o copo, mas isso agora não vem ao caso).
Procurei uma dermatologista, comecei a me medicar e meus cabelos acabaram ficando mais ou menos como eram antes.

E também procurei uma psicóloga, claro.


Mas o que realmente tem importância nisso tudo é o seguinte: várias vezes a gente acaba tendo medo de mudar. Medo de sair da zona de conforto, de começar de novo. Medo de ter que reaprender a gostar de si, a gostar da nova cidade, da nova casa, dos novos amigos, das novas namoradas, de novas situações, sejam elas quais forem. A gente simplesmente tem medo, mas é preciso entender que tudo muda. Que tudo se perde. Mas que se perde menos quando se entende que outras coisas virão substituir as perdidas. Talvez essas coisas não tenham o mesmo peso, a mesma importância, a mesma beleza ou as mesmas qualidades das que foram perdidas, mas é isso o que resta e assim sendo, resta fazer o melhor possível com o que sobra.
À medida em que o tempo passa - e principalmente depois dos 25 anos - nem seu corpo continua produzindo a mesma quantidade (nem qualidade) de células que produzia antes. Tudo se esgota aos poucos. Há de se fazer o melhor com o que se tem. Até que tudo acabe. Até que acabe a vida. Porque essa perda - a da vida - não há remédio, não há decisão, não há ferramenta que conserte. Não há ação que reverta.

É uma merda? É! Mas paciência. Já diz a máxima que "a única coisa imutável da vida é a inexorabilidade da mudança." Então, amém.

P.S. Hoje em dia lido bem melhor com as mudanças. Mas minha mãe não. E cada vez que vou visitá-la ela se entristece ao ver em mim uma nova tatuagem, piercing, etc e diz que estou destruindo meu corpo. Eu argumento que todos os dias, milhões de pessoas ganham marcas, cicatrizes ou perdem um órgão ou um membro. Pelo menos minhas tattoos vieram por escolha minha, não pelo acaso. É preciso aprender a lidar com isso também. 

quinta-feira, 1 de março de 2012

Fetiche

Nem todo fetichista é um artista. Mas todo artista é um fetichista. 
A propensão artística pressupõe uma necessidade visceral, intrínseca, de exibir-se. De expor-se. 
Quando um artista cria um quadro, uma música, um texto, quando atua, ele busca uma forma de expressar algo que existe dentro dele. Algum sentimento que lhe falta ou que lhe sobra e que lhe é impossível conter. Um sentimento qualquer que lhe cause angústia ou euforia e que, seja de que natureza for, lhe obriga à exposição, à submissão do conhecimento do maior número de pessoas possível. 
A manifestação artística criada tem de ser mostrada. Tem de buscar atingir alguém. Tem de buscar correspondência. 
É essa sede, essa busca por reconhecimento, esse anseio insaciável o que move, o que inspira o criador. 
O texto tem de ser lido. O quadro tem de ser visto. A música tem de ser ouvida. A peça tem de ser assistida. Tem de buscar seu público, encontrar quem se identifique, quem se deixe tocar pela mensagem, quem sinta correspondência com ela. 
Antes disso não existe nada. O artista sozinho é nada. O rascunho guardado na gaveta é só um estudo, jamais uma obra de arte. Jamais uma manifestação. Somente um fetiche calado.

Da arte


A arte vem da alma. Do coração. E de nenhum outro lugar.
Às vezes pode surgir filtrada pelo cérebro, pela técnica, pela matemática, pela razão. Mas o cérebro sozinho não faz arte. A razão não faz arte.
A verdadeira, a única forma de arte vem da necessidade de calar ou de dar voz a algo que brota no âmago do sentimento humano. De sua busca pelo entendimento das coisas do mundo. De sua vontade de expressar seu entendimento. Ou da necessidade imperativa de lamentar a impossibilidade de angariar algum entendimento.


A arte serve ao desejo e o desejo vem da alma.


Desejo de expressar o que parece indizível. O que é subjetivo, ou complexo, ou grande demais pra ser posto em palavras.
Desejo de romper com qualquer coisa, de destruir e criar novos paradigmas (e, se tudo der certo, destruir de novo).
Desejo de vivenciar o mundo de forma mais intensa. De vomitar tudo o que é muito intrínseco.


Do desejo de ser Deus.


A arte nasce da perplexidade. Do olhar que sempre se encanta, que sempre se surpreende, que nunca se acomoda. Nasce da experimentação da forma, da manipulação, da tentativa de tirar as coisas de seu lugar de origem. 
Nasce da maior necessidade humana. Daquilo que movimenta e tem movimentado a civilização. Daquilo que faz surgir e que destrói. Da curiosidade.
Nasce da infinita necessidade de transformação.

Não


O resto de cerveja que ficou na garrafa porque eu não aguentava mais beber.
O cachecol que foi esquecido e deixado pra trás naquela viagem.
A carta que escrevi e nunca mandei.
O perdão que nunca pedi.
A declaração de amor que nunca fiz.
Os sonhos que deixei pra lá.
A raiva que eu contive.
O desejo que eu contive.
O medo que me dominou.
Os livros que não terminei de ler.
Os poemas que não terminei de escrever.
As bandas de rock que nunca tive.
O violão que nunca toquei.
A torneira que eu nunca concertei.
A mulher interessante que eu olhei de longe. E só.
A festa em que eu não fui porque tinha de trabalhar no dia seguinte.
A festa em que eu saí mais cedo porque tinha de trabalhar no dia seguinte.
As pessoas que eu nunca beijei.
As pessoas que eu nunca comi.
O amor que eu fingi.
O favor que fiz com má vontade.
Os favores que nunca agradeci.
O dinheiro que me roubaram.
O tempo de vida que me roubaram.
O suicídio que não cometi.
O homem que eu deixei de ser.
O homem que eu aceitei ser.
A briga da qual fugi.
A doença que não mediquei.
Os amigos que abandonei.
Os amigos que não tive.
Todas as noites em que dormi.
A droga que eu não tomei.
A roupa que não comprei.
O mergulho que não dei.
O salto de pára-quedas do qual desisti.


Os filhos que eu nunca terei.


Às vezes eu perco tanto a identidade que me sinto mais o que deixei de ser do que aquilo que acabei me tornando.